sábado, junho 25

Eram ninhos I

- Por onde andas?
- Ando ocupada com a vida. Tem posto à prova a minha resistência, tem mas eu sou mais dura que isso. Tento ser, tento adaptar-me às mudanças.
- À nossa mudança?
- Também, cortaste-me as asas.
- E tu partiste-me qualquer coisa cá dentro, mas ainda não sei bem o que é, ainda não tive tempo de perceber. Mas disseram-me que estava de brilho perdido e motivação gasta.
- Encontraste outro ninho, talvez agora te possam preencher o que te falta.
- E tu?
- Eu tinha o meu ninho contigo. Parávamos quando nos cansávamos de voar e quando nos queríamos amar. Contigo eu sabia que podia ser livre, voava alto porque sabia que voltaríamos, voltaríamos para nos amarmos.
- E agora?
- Agora é como te disse, tenho resistido às circunstâncias da vida. Estou a pensar em ter o meu próprio ninho. O amor magoou-me. Não preciso de ninhos cheio de amor, posso ter um ninho meu, um ninho onde sei que não há ilusão. Assim, não me vai doer e ainda posso voar alto.
- E vais fazer isso toda a tua vida? Voar?
- Agora ainda não posso, ainda estou de asas cortadas. Vou preocupar-me em reconstruir-me, sabes, construir o ninho.
- E quanto às asas, como ganhas umas novas?
- Com o amor, o amor-próprio. O meu amor pela minha própria alma. E depois vou ganhar o brilho no olhar e a motivação para voar.
- Sempre foste tão independente, sempre a querer voar, que se calhar por isso é que achei que não precisavas deste ninho onde nos amávamos.
- Não, eu demorei mais no meu passeadouro e tu preferiste levantar voo para outro ninho, não tens a resistência à vida como eu.  Se calhar tu é que já não precisavas deste ninho, precisavas de voar mais, voar mais, para quando pousasses o amor ser o que te bastava.
- Mas agora se te vais embora deste ninho o que é que eu vou fazer?
- Não podes ter dois ninhos, não podes ter dois ninhos que incluam duas vidas diferentes. Cortaste-me as asas só porque me atardei. Cortaste-me o amor. O amor magoou-me, tu magoaste-me. Cortaste-me as asas e deixaste-me cair. É demais para uma alma de pássaro. Mas eu vou voltar a voar alto, um dia, longe das ilusões que nos deixam tombar. Não me perguntaste o que fazer quando procuraste outro ninho. Mas quanto a mim, vou ser sempre esta alma de pássaro, mas com menos fé no amor.

domingo, junho 19

Como uma carta II

R.,

Escrevo-te aqui – em silêncio – como nos tempos que ainda estavas por perto. A diferença está que agora eu escrevo-te enquanto exibes para o povo o teu novo ser e eu fico por aqui a lamentar o tempo em que decidiste ausentar-te de mim. E que falta esse teu tu podia fazer em mim, não fosse esta outra dor maior do que a de não estares aqui. Esta de trocares o amor.
Mas começam a faltar-me as palavras, ou começam a ficar-me gastas. Como este amor. Gastas como se estas se tratassem de solas de sapatos velhas, as palavras. Ou as solas, como se eu gostasse muito daqueles sapatos e só os quisesse usar. Como as palavras, como se gostasse muitos delas e de te as dirigir e acabasse por gastá-las. Tal e qual como se gostasse muito de ti e só quisesse ficar contigo, mesmo com as palavras gastas como solas de sapatos. Mesmo connosco apagados.
Mas antes fosse só as palavras e tão pouco este amor. Foste o meu primeiro e único amor. O tempo não deu espaço para mais, não tivesses tu sido mais aliciante que a duração. Mas antes preferia que o tempo no mundo se tivesse gasto do que este amor que quase jurei perpétuo. Antes queria que as palavras acabassem e só se concebessem gestos, antes queria isso do que ver este amor gastar-se.
Mas eu devia ter sido mais esperta que o tempo, sabes, eu podia ter-me despedido numa outra vez em que quiseste partir (ou eu) e assim não se teriam perdido os gestos ou palavras. Talvez assim eu ainda te conseguisse amar por o saber exprimir ou tu pudesses caminhar por saberes falar. Talvez eu ainda possuísse as palavras e tu os gestos. Talvez eu ainda te pudesse falar e tu ainda me pudesses tocar.
O tempo já não me deixa saber e tudo o que sei do espaço é que está deserto. Costumas saber-me a saudade mas hoje só me sabes a um buraco em branco. Deve ser isso o deserto, um espaço por coabitar. E se for é tão parecido comigo, também eu um vazio. Um espaço por preencher.
Se calhar não há falta de gestos, não falta de palavras, se calhar sou eu que sou um corpo vazio de vida e cheio de amor - amor este que já não me leva a lado nenhum. É isso R. não é? Ainda te vejo cheio de vida mas tão oco de amor. Sou eu que sou possuidora de um amor vazio, um amor que só podia ser cheio se tu não te tivesses ausentado, sou eu tão vazia de vida por já não saber articular-me para outra direcção. E és tu tão cheio de vida por te teres movimentado para outro amor, mas tão vazio por te fazeres desconhecedor de que o amor só o tens comigo. Mas eu vazia ainda sou tua e tu cheio és tão pouco meu. Não devia ter sido eu a prender-me ao amor, talvez assim pudesse não ser tua.
Oh R. cada vez tenho menos saudades de sermos cheios. Oh R. cada vez quero mais ser coabitada neste meu espaço tão vazio de vida. Oh R. cada vez quero mais que o vento leve este amor para que não seja mais tua – já que ainda só o sou por ainda te amar.
Ainda te amar mas já não querer este amor pelo deserto que é. Pelo deserto que é amar alguém mas ter um buraco vazio. Pelo gelo que é amar-te. Oh se ainda te amo R., se amo. Ai mas como não sinto vontade de o fazer. Pelo frio que é amar alguém que desiste de nós. E alguém que nos ama, alguém que nos ama e desiste de nos amar. Que frio que faz quando alguém que quer realmente ficar connosco desiste. Desiste por medo, por falta de coragem. Ai que deserto que é quando ficamos só com o nosso amor e sem o outro para amar.
E que bom seria já não sentir saudades tuas, como não quero senti-las. Oh se me fazes falta R. Já ninguém quer aquecer-se comigo. Oh todos sabem que vou ter sempre frio, todos sabem, porque nenhum é como tu. Mas podia ficar mais fácil quando vais embora: menos deserta, menos frio, menos amor. Mais cheia de outras coisas.

Menos (um bocadinho) tua,

Eu

segunda-feira, junho 13

Como uma carta I

R.,

Ainda podias ser o meu R., sabias? Não o R., mas o meu R. É, e eu infelizmente ainda queria que tu fosses meu. Mas por circunstâncias que tu escolheste tu já não estás mais aqui e já não és mais meu. Não um meu entregue porque hás-de sempre ser um bocadinho meu – nem que isso seja nas memórias – mas já não és meu e passaste a ser de alguém, e quanto mais cedo eu aceitar isso melhor. Isso e o facto de já não seres o meu amor, não o meu amor mas para sempre o meu grande amor.
Ainda queria poder amar-te de outra forma que não no silêncio, e ainda estou a aprender a fazê-lo, tu sabes, a esconder os meus sentimentos, ainda estou porque estive contigo por quatro anos e meio e tudo o que fiz melhor foi amar-te, mesmo por entre todos os buracos escondidos de quando nos separávamos por algumas semanas ou meses, tudo o que fiz foi durante estes anos amar-te incondicionalmente nas tuas idas e nas minhas vindas.
Ainda te amo – ainda que cada vez mais em segredo – e amo-te mesmo depois de te ver largar o meu coração sem qualquer tipo de contusão, ainda te amo mesmo que agora sejas tu com o teu orgulho e tu sem alma alguma, ou tu uma pessoa desengraçada, amo-te mas já não o pronuncio em voz alta, porque tornou-se assustador – não só este sentimento mas tu.
Não havia ninguém que fosse tão casa como tu, ninguém, não havia melhor ponto de fuga, não havia melhor pessoa. Não havia melhor lugar para estar que não o teu coração. Mas já não sei se tens um agora, já não sei porque deixei de conseguir descodificar-te por todas as atitudes e mudanças que carregas em ti. E tu não sabes como custa, tu não sabes como custa perder a melhor pessoa da tua vida para o tempo, e depois do tempo para outra pessoa. Eu perdi não só o meu namorado mas o melhor amigo. Perdi-o(s) quando desististe de mim.
Eras a única pessoa que não podia ter desistido e lembrar-me disto dói-me muito, ainda me dói muito e todos os dias, não fosse eu ter-te feito pensado que tinha desistido primeiro, e não fosses tu pensar sequer que isso era possível, não fosse eu amar-te com tudo o que tinha. E podiam ter desistido tantos outros, só não podias ter sido tu, tu que nunca me pareceste provável de o fazer, tu que me fizeste acreditar que tu serias a única pessoa que não ia desistir nunca de mim.
E no meio disto o que é que me sobra, se a tua mudança desgastou o meu coração e a minha pequena alma? O que sobra se não o meu corpo sem rosto? O meu rosto era feito do olhar e eu perdi o meu, talvez porque o teu fosse reflexo do meu, mas eu perdi-o, e isso é a coisa mais triste de se perder. Mais do que perder a alma, mais do que isso, é perder o olhar, porque é tão difícil recuperá-lo, tão. Como este amor. E logo eu que sempre disse que enquanto acreditasse no nosso amor ia continuar a tentar, não consigo mais. Não consigo porque tu me deixaste tão distante do lugar onde me queria achar, tão distante, tão afastada do teu coração. E a esperança no meu olhar apagou-se.
Como todas as coisas que fui desenhando para ti, parecem-me tão distantes agora e tão longe de me completarem. Tão apagadas. Tão fundas como as minhas feridas. Pergunta-me onde estão as minhas maiores feridas, pergunta-me que eu respondo-te que estão no meu coração e foste tu que as deixaste. E todas abertas. O meu coração desnudou-se completamente e eu não deixei o meu coração como tu deixaste que eu fosse embora. Eu não o deixei, como tu deixaste esquecer-te de mim.
E como eu não queria que te esquecesses de mim, mas queria tanto esquecer-me de ti, para não me lembrar daquilo que nunca foste por mim, porque não podes ter sido, se não nunca me tinhas deixado ir, ou deixado desesperada a interpretar minuciosamente todos os gestos que compartilhamos para ver onde (te) falhei. Onde te falhei, ou onde nunca optei pelo caminho mais fácil – desistir.
E estupidamente acreditei que nós partilhamos o que às vezes nem se encontra- o amor sabes? Pelo menos eu sei que partilhei, mas espero que te venhas a esquecer disto, porque em mais nenhum dia te vão amar assim – de maneira quase perpétua. E ama-se poucas vezes. Quer-se cuidar do outro poucas vezes.
E espero que saibas que desta vez eu estou mesmo magoada, como nunca antes, e que podemos namorar por quem nos apaixonamos e gostar de quem amamos (simultaneamente), e se calhar por isto, é que mesmo magoada vou sempre gostar de ti, porque eu amei-te de verdade e para valer, mas tu não soubeste ficar com isto, ou retribuir-me, e eu nunca vou esquecer como me magoaste desta vez.
E eu vou deixar de sentir a tua falta, ou pelo menos vou aprender a viver com ela, ou com o insucesso de um dia te ter entregue o meu coração. Não o penses como teu para sempre, não o faças. Porque desta vez tu magoaste-me muito, muito, mais do que eu possa escrever. E se eu soprar, o pó vai embora, mas seu eu te soprar a ti e às dores que me deixaste, vais embora como o pó? Bolas, tu já foste…falta só a dor. E as promessas por cumprir.
«Não te vou deixar nem quando as galinhas tiverem dentes». E esta foi a maior promessas por cumprir ou mentira que me cravaste. Ou então cresceram dentes às galinhas e eu não fiquei a saber.



Para sempre um bocadinho tua,
Eu com um adeus

domingo, junho 5

A terceira chamada





- Estou?

- Estás-me a ouvir bem?

- Sim, diz.

- Eu não me importava que amanhã acordasse e todas as pessoas tivessem desistido de mim desde que tu não o tivesses feito. Tu eras a única pessoa que não podia ter desistido de mim. Não me doía se todas as outras o tivessem feito. Agora tu? Nunca poderias ter sido tu. Eu nunca podia ter acordado de manhã e aperceber-me do quão longe já estavas e como tinhas desistido de mim.

- Mas tu desististe primeiro.

- Eu nunca desisti realmente de ti mas eu investi tanto em nós que quase me esqueci de mim. Eu nunca me afastei de ti com a maldade de desistir de ti. Eu queria apenas que tu me viesses procurar por ti. Bolas, eras a única pessoa que não podia desistir de mim – e isto pareceu-me sempre tão improvável de acontecer. Foste tu desistir de mim sem conheceres, que eu nunca me poderia afastar de ti não fosse eu amar-te com tudo o que tenho – ou tinha.

- …

- E isto dói-me muito, dói-me muito todos os dias, não fosse eu ter desistido primeiro – ou ter-te feito pensar assim. Dói-me de tal forma, que levaste tudo contigo – quando desististe de mim - menos a dor. Dói-me de tal modo que deixei de sentir o nada para passar a sentir a dor.

- O que queres que te faça agora?

- Podias-me ter dado a oportunidade de investir em ti – mais uma vez. Mas caricatamente foi no implorar do teu amor que eu descobri que tu já estavas cansado deste, talvez por te ter amado demais. Porque eu sempre possuí este amor, este amor que sempre foi demasiado - demasiado para o que a alma nos concebeu. E agora já não podes fazer nada porque já desististe de mim, e isto, sem vacilares, se podíamos ou não ter um outro investimento, isto porque talvez tu já estivesses num investimento em outro paradeiro - não tivesse sido tarde demais para mim investir quando já haviam desistido. E agora, mesmo que quisesses eu não podia mais confiar-te o meu sorriso, isto porque já não consigo acreditar em ti, não fosses tu ter desistido de mim.

- Maf…

- Entre tantas pessoas só não podias ter sido tu. Não podias porque foram 365x4+183 dias a amar-te. Mas espero que te venhas a esquecer disto, porque em mais nenhum dia da nossa triste existência vamos viver um amor destes. Em mais nenhum dia te vão amar assim, onde podíamos ter sido um nós todos os dias. Mas agora já não estás aqui e não ousaste em roubar-me um sonho – quando resolveste desistir de mim enquando eu te amava de uma maneira quase perpétua.


Chamada terminada.